Ontem à tarde num grupo uma mãe pediu ajuda para desfraldar o filho com Trissomia 21 e autismo não Verbal. Ofereci-me para lhe enviar um mapa de desfralde. Choveram pedidos. Sem dar por isso parei de corrigir os meus testes e passei a tarde a enviar mapas de desfralde. Consegui perceber o desespero em que aqueles pais e mães e estavam e sei bem o que é passar por isso, quando dei por mim era hora de jantar e eu só tinha enviado mapas de desfraldes a tarde inteira. O mapa ajuda mas não é mágico e por si só não faz nada .
Fiquei a pensar nisso e decidi partilhar a minha experiência.
Não há receitas para o desfralde, por mais que se escrevam livros de especialistas,mas cada criança é uma criança. Por isso se fores leres este texto à espera de uma receita mágica, desculpem desde já a desilusão, mas posso dar-vos a minha receita de mãe, a minha partilha.
Começo pelos ingredientes, determinação, muita paciência, esfregona na mão, toalhitas e uma boa recarga de cuecas. E quando falo em Determinação esta tem de contar que o desfralde pode durara um mês ou dois anos e meio como foi o meu caso. A informação é outros dos ingredientes , li muito e vi muitos vídeos sobre o assunto.
Antes da regressão o meu filho já tinha estado no penico algumas vezes, após a regressão , pois o autismo do meu filho foi regressivo, perdeu imensas competências, ir ao penico foi uma delas.
Aos dois anos iniciámos o desfralde, mas na época descobrimos que estava completo surdo dos tímpanos (surdez de transmissão) e decidimos esperar pela operação. Tínhamos a esperança que começasse a falar após a operação, mas não foi o que aconteceu.
O Gonçalo foi operado aos ouvidos aos três anos e ainda usava fralda. Conforme crescia ia ficando mais resistente. Eu continuava à espera da resposta da ELI que nunca chegou ( história que ficará para uma próxima vez).
Ele na época só tinha Terapia da fala e psicólogo, tudo particular. O Psícólogo aconselhou-me a que lhe criasse uma rotina. Em conversa com uma amiga de luta que tinha conhecido no Facebook a minha querida Beija Flor, ela explicou-me como tinha desfraldado o filho dela e passou-me o mapa de desfralde, o tal que passei uma tarde a enviar. O mapa só por si não faz nada.
No Colégio onde andava aos três anos inventaram desculpas para se recusarem a fazer-lhe o desfralde, porque não sabiam lidar com ele. E eu feita estúpida pedi que me avisassem para iniciar o desfralde. Mas inventavam sempre uma desculpa. Entretanto mudei-o para uma escola pública aos 4 anos e no Verão antes dele entrar na escola iniciei o processo de desfralde.
Posso dizer que quer as professoras de educação especial que lhe fizeram um desenho em símbolos arasac , quer a Educadora , quer as auxiliares da sala do meu filho e da sala ao lado foram inscansáveis.
Houve alturas em que me pediram que ele voltasse a usar fralda, alturas em que estava muito frio e ele fazia xixi com muita frequência e eu voltei , mas sempre avisando que seria uma regressão.
Em casa ele já só usava cuecas. Eu usei o mapa do desfralde essencialmente para ter uma noção dos ritmos do meu filho. Sendo que já tendo quatro anos a caminho de cinco o ritmo seria diferente do que tinha aos dois. De inicio ele fazia xix e continuava sem se incomodar,mas conforme fui conseguindo acertar no horário dos ritmos dele e fui conseguindo que le fizesse o xixi na sanita começou a sentir-se incomodado. A sanita foi escolha dele. Comprei uma série de redutores diferentes, mas não se adaptou a nenhum deles porque estava a ficar grande, ofereci também um penico que ele não quis e por escolha dele sentou-se na sanita. Ao fim de algum tempo como ele não falava começava a correr para a casa de banho quando ele tinha vontade de fazer xixi. Nem sempre chegava a tempo mas fazia parte. E era aplaudido e premiado pelo esforço. Todos nós gostamos de ser premiados pelo esforço. De ouvir um elogio que mal tinha premiar? Sim umas vezes , eram gomas, outras um chocolate, outras um carrinho. Às vezes eram apenas palmas e uma grande festa. Dizíamos adeus ao xixi e ao cocó e eu desejava boa viagem que ele desejava também na forma dele, e dizia-lhes que eles iam para a terra do cocó e para a terra do xixi, ainda hoje lhe digo isso. Outra das coisas que fazia além de lhe dar uma recompensa era dar-lhe um brinquedo ou um livro para que ele passasse algum tempo sentado na sanita até fazer as suas necessidades. Um dia fui positivamente surpreendida ao dizerem-me que ele na escola também gostava de levar um livro quando ia à Sanita. A todos os sítios que ia indicava-lhe onde era a casa de banho e ele quando queria ir, puxava-me pela mão e levava-me lá.
Sim eu recompensei o meu filho. Nós também gostamos de ser recompensados pelas nossas ações.
O xixi aos quatros anos e meio estava superado, mas o cocó , por incrível que pareça ele até disfarçava para tentar que não percebemos, se bem que aquele perfume que acompanhava o cocó o denunciava.
Não havia meio de conseguir que ele deixasse de fazer o cocó nas cuecas ( deitei muitas para o lixo, irrecuperáveis).
Um dia particularmente cansada e muito desesperada ,ele fez um cocó muito grande nas cuecas, lembrei-me que uma grande parte dos autistas funciona particularmente melhor com pistas visuais, peguei nele levei-o à casa de banho, e mostrei-lhe a cueca toda suja de cocó. Apontei e disse :”cocó porco. “
Ele apontou para ele e disse “pôco” começava a verbalizar algumas palavras nessa época. Respondi não o menino não é porco mas o cocó nas cuecas é.” Ele olhou e fez o gesto de cheirar mal com a mão e disse “Piú”. O que funcionou ou não nesse episódio não sei, mas a verdade é que desde desse dia nunca mais fez cocó nas cuecas e só muito raramente se descuidou a não ser quando está doentinho.
Foram dois anos e meio a limpar a chão, a lavar cuecas, a pô-lo diretamente no banho às vezes, e a deitar cuecas fora porque não havia salvação possível.
Houve dias em que estava tão cansada que lhe punha umas trainers, mas ele estava a ficar grande e quase não lhe serviam. Obriguei-me a não desistir, a não desanimar. Houve dias difíceis de crises e dele não querer ir, houve dias em que cedi, mas no dia seguinte voltava à carga e não parei. Lembrava-me que estava ainda mais cansada de mudar fraldas. Desistir não era opção, mas queria fazê-lo de forma que ele conseguisse e não fosse uma experiência má para ele.
E valeu a pena não desistir porque quando deixou , deixou de dia e de noite.
Agora a luta é que ele aprenda a limpar o rabo sozinho e essa tem levado mais tempo mas acredito que estamos no caminho.
Hoje o meu filho tem nove anos e só com 9anos começou a verbalizar Xixi!
Embora esteja desfraldado desde os cinco.
A quem estiver a passar pelo mesmo o meu conselho é não desistas, não desanimes,. Há dias dificeis em que vais precisar de parar e descansar , mas no dia seguinte faz tudo de novo.
O mapa do desfralde ajuda, mas não é mágico, a magia está em acreditar que o nosso filho é capaz e em acreditar que nós somos capazes.
E para que não pensem que é tudo facil por estas bandas, enquanto eu escrevia este texto ele partiu-me a terceira televisão.