Quantas vezes ouvem falar do lado negro da maternidade?
Sei que já não é o assunto do momento, mas eu tenho o hábito de tentar não reagir a quente.
Mas o acontecimento da mãe que numa hora negra se esqueceu da filha na cadeirinha , deixou-me a matutar no lado negro da maternidade. Aquele que raramente se fala. Aquele que exige que a mulher esteja plena e feliz logo a seguir a ter os filhos. Aquele que exige que esteja sempre magnifica e maravilhosa a seguir a um parto. Aquele que exige que a casa continue perfeita. E porque tive fases na minha vida de mãe em que conheci o cansar extremo fiquei a pensar.
Quando uma mãe está tão cansada que se que se esquece do bem mais precioso da sua vida,há por trás dela toda uma sociedade que falhou. Uma sociedade que exige que a mulher seja multi tarefas e perfeita, que não que se queixe,que não peça ajuda. Há uma rede familiar que falhou.
Uma rede de amigos que falhou.
Há toda uma sociedade que impõe um ritmo de vida alucinatório e que falhou. Mas eu acredito que a mãe não falhou. A mãe apenas foi uma vítima do lado negro da maternidade que a sociedade lhe impõe.
À Mãe da Maria Pilar queria mandar um abraço muito apertado e dizer-lhe que o que lhe aconteceu a ela podia ter acontecido a mim e a qualquer outra mãe humana e muito muito cansada. E não é a pior mãe do mundo,nem má mãe. Não foi a mãe que falhou, foi a sociedade que exige mães perfeitas que falhou consigo. Porque se uma mãe se queixa que está cansada a sociedade julga-a logo e pergunta porque é que quis ter filhos. Como se por ser mãe se perdesse o direito de estar cansada. Como se por ser mãe tivéssemos de ser sempre perfeitas em tudo, com um sorriso nos lábios.
A mãe perfeita , a cozinheira, a dona de casa, a profissional, a esposa, a amante e ainda tens de estar em forma para não te acusarem que lá por seres mãe, isso não desculpa que não cuides da tua aparência. Por acaso sabem se estás com uma depressão e te sentes demasiado cansada para oque seja. Tanta gente te julgou e condenou e eu penso se alguma vez se ofereceram para te ajudar, se alguma vez te perguntaram como estás? Se alguma vez te disseram que tinhas o direito de te sentir cansada e pedir ajuda?
Sabes tive a sorte de no meu trabalho conviver com mães mais velhas que me ensinaram o valor da tolerância, quando o mesmo que te aconteceu a ti, aconteceu a um pai aqui há uns anos atrás, quando foi a vez dele de ir levar a filha ao trabalho. Sabiam que não acontece só às mães,que não é a única que já aconteceu a mais pessoas?
Sabes queria tanto,mas tanto dar-te um abraço e dizer que não está sozinha, que tens mães do teu lado, que sabem o que é entrar em piloto automático e pensar que já fizeram uma série de tarefas que ainda não fizeram. Que já se atrasaram para ir buscar os filhos porque perderam a hora, que já voltaram atrás porque pensavam que já tinham ido buscar os filhos e que se aperceberam a tempo que afinal não.
A verdade é que vivemos uma vida louca em que temos filhos e mal temos tempo para estar com eles porque há sempre o trabalho,o trabalho profissional , do casa e há contas para pagar. E nem sempre é fácil conciliar a vida profissional com a pessoal. A verdade é que tiveste uma hora negra de cansaço e eu acredito que foi cansaço o que te aconteceu,eu sei o que é ter um cansaço extremo em cima de nós e ainda nos exigirem que nós não falhemos.
Escrevi este texto no dia internacional da família, porque só pensava como se sentiria aquela mãe ao saber que num lapso de cansaço perdeu parte da tua família. Quando uma mãe falha não falha sozinha, porque todos os que a rodeiam e não ajudaram também falharam, porque a sociedade que aponta e critica e exige que seja perfeita em tudo ao mesmo tempo a levou a um cansaço extremo. E o estigma de que quem procura ajuda é fraco. E porque quem a devia apoiar nesta hora negra não apoiou.
Ao pai que tão zangado e revoltado está com a mãe,não lhe tiro o direito de estar revoltado e de estar zangado, mas pergunto o seguinte. Quantas vezes foi levar os seus filhos à escola? Quantas vezes os foi buscar? Quantas vezes lhes mudou a fralda,lhes deu banho,lavou as roupas e preparou as refeições? Quantas vezes ajudou em casa?
Sei o que pensa sobre esta tragédia. Como foi possível esquecer-se da filha? Sabe eu já pensei assim há muitos anos quando um acidente semelhante aconteceu com um pai. Mas felizmente tive quem me abrisse os olhos para uma série de circunstâncias,que reconheci que podem acontecer a qualquer um.
E ainda bem ,porque um dia conheci o cansaço extremo e aprendi o que ele pode fazer. Acho que acredita que a si nunca lhe aconteceria,mas persisto na pergunta quantas vezes foi levar e buscar os filhos à escola?
Sabe podia ter sido eu, podia ter sido o pai, somos humanos todos nos arriscamos a ter horas negras na vida. Porque a maternidade e a paternidade também têm um lado negro, que ninguém fala porque não querem ser apontados como más mães ou maus pais.
Não imagino a dor desta família mas desejo que recuperem desta enorme perda com muita,força perdão e amor.