Na sequência deste artigo de um amigo sobre a notícia de um menino com 5 anos diagnosticado com TEA (Transtorno do espetro do autismo) que foi acusado de assédio sexual por abraçar uma colega e dar beijinhos noutra; ele lembrou-se de mim e convidou-me a escrever a minha opinião sobre o assunto como mãe de uma criança com T.E.A. Independentemente de ser mãe de uma criança com autismo, acho isto extremamente chocante e preocupante. Em primeiro lugar porque acho que isto vindo de qualquer criança de cinco anos é a coisa mais natural do mundo e o que este mundo tanto faz falta: O afeto puro. Raramente nestes casos existe uma conotação sexual a não ser na cabeça dos adultos. Na verdade, a brincadeira de o menino ou da menina ter um namorado ou uma namorada, não passa disso normalmente, de uma brincadeira. Da imitação da vida dos adultos. Muito raramente ou extremadamente em casos que a criança possa ter assistido ou ter sido vítima de violência sexual estes casos se reportam a uma conotação sexual.
Vejo algumas campanhas com as quais eu não concordo que a criança dizer que tem namorado ou namorada é sexualizar a criança. Acho um completo absurdo, por esta ordem de ideias o nosso infelizmente já falecido cantor Carlos Paião estaria a sexualizar as crianças com a sua “Cinderela” ou a nossa Luísa Sobral mais recentemente com o seu “João”.
Entendo que se eduque para o respeito e para o afeto, o triste mesmo e que me parece que cada vez mais se condena o afeto e se ignora a violência.
O que eu acho estranho e aberrante é que os adolescentes tenham vergonha de exprimir e receber afeto dos seus pais na presença dos seus pares. Isto demonstra o quanto somos uma sociedade cada vez menos afeita ao afeto. O que ainda acho mais aberrante é uma sociedade que acha normal oferecer armas como prendas de anos, condena afetos conotando-os como assédio sexual e a seguir admiram-se quando uma criança ou jovem entra por um escola a dentro a matar todos o que estão na sua frente, como infelizmente já sucedeu várias vezes.
Imaginem a confusão que iria na cabeça de uma criança de cinco anos neurotíptica (sem problemas demais) que fosse acusada de assédio sexual, por exprimir o seu afeto aos seus pares. Imaginaram? agora tentem entender isso numa criança cujas sensações e sentimentos são ampliados ao extremo da sensibilidade.
Numa sociedade onde a violência é generalizada os afetos são cada vez mais necessários, porém como esta sociedade não foi educada para o afeto não sabe lidar com isso associando tudo ao sexo, o que me leva a crer que será o único tipo de afeto que conheceram na vida.
Acho que de facto este é um caso em que os adultos que condenaram esta criança pelas suas ações têm graves problemas não só na sua vida sexual como provavelmente desconhecem o afeto e têm com toda a certeza graves traumas de infância.
Quando o meu filho estava com hipoacusia severa ou surdez de transmissão (surdez total por não entrar som nos tímpanos), estava ao nível de um autismo severo e sem diagnóstico, nem ajuda médica, não sabíamos como comunicar com ele. A solução passou pelo toque e pelo afeto. E nem sempre foi fácil, ele assustava-se, rejeitava, batia-me, mordia-me, beliscava-me e o que fazia a mim, fazia ao pai e a irmã que ainda era pequena. Uma vez para evitar que ele se magoasse, ele quase lhe cortou a orelha à dentada, isto para terem uma noção do quanto o meu filho rejeitava o toque e qualquer tipo de aproximação. Mas nenhum de nós é de desistir e eu queria muito que o meu filho percebesse que nós estávamos ali para ele.
O afeto e o toque são pedra motriz para o desenvolvimento. No momento em que escrevo isto, ele está ao pé de mim e acaba de me dar um beijinho, porque lhe digo que gosto muito dele e lhe pergunto se gosta da mamã e o beijinho é a resposta dele, melhor que qualquer palavra.
O meu filho ainda reage agressivamente por vezes quando contrariado, ou quando não entende as brincadeiras, porém hoje ele é o menino dos abracinhos e dos beijinhos, quer em casa, quer na escola, quer no ATL que frequenta. E fico feliz que as pessoas o aceitem e o descrevam como uma criança geralmente meiga.
Contudo agora com sete anos está na fase da descoberta do seu corpo, que outras crianças provavelmente atravessaram mais cedo e dou por ele na casa de banho a explorar o seu corpo e fico sem saber como lhe explicar, para já a minha esperança é a evolução dele ao longo dos anos , pois a que teve já foi maior do que algum dia eu pudesse imaginar.
No entanto desdramatizo a situação não focando a atenção como se ele estivesse a fazer algo errado quando o encontro a explorar o seu corpo, desvio a atenção para outra coisa
Para já continuo a dizer que não se bate nos amigos e a ensiná-lo a despedir-se com um abraço.
Mas o preconceito sexual que regra geral se estende às pessoas com TEA também se estende a outros portadores de deficiência. Recordo um incidente há alguns anos atrás em que estive algum tempo à conversa com dois colegas de trabalho enquanto aguardávamos as nossas reuniões, ambos jovens e bem parecidos. Chamemos-lhes o João e o José. Entretanto o José teve uma reunião e eu o João ficámos a aguardar a hora da próxima e permanecemos à conversa.
Qual não foi o meu espanto, quando alguém comentou em tom de brincadeira:
“Bem, estiveste a manhã toda à conversa com o João”, ao que retorqui:” Não. Estive a manhã toda à conversa com o João e o José, só que este teve de se ausentar mais cedo.” O pormenor aqui é que o José é cego, o que aos olhos de algumas pessoas já não torna tão interessante como o João.
E isto é revelador de que as pessoas acham que as pessoas com deficiências assexuadas. Ou que só podem arranjar um parceiro com as mesmas características e conotam qualquer ação de cariz sexual, até mesmo uma piada como algo de preocupante, o que não fariam se fosse vindo de outra pessoa.
Felizmente são cada vez menos as pessoas a pensar assim e eu sonho que tal como qualquer outra pessoa o meu filho possa um dia construir a sua família se for esse o seu desejo.
Até vou fazendo a minha parte de informar para combater o preconceito, escrevendo sempre que posso a minha experiência com um filho que me trouxe o desafio de ser mãe de uma criança com autismo e um síndrome raro no mundo e ainda mais no país ( síndrome de deleção 18p)