O Coração azul de hoje é uma amiga muito querida, que conheci neste mundo dos blogues, quando escrevi o primeiro blogue "Cronicas de uma mãe atrapalhada" . Desafiei-a a testemunhar como tem sido a sua convivência com a nossa família e em especial com o Gonçalo. Aqui fica com um beijinho muito grande e gratidão de quem sabe que a amizade verdadeira não tem barreiras e é inclusiva. A partir daqui deixo o texto e as fotos da Sara Vieira . A única que não é dela é a do tigrinho.
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Gonçalo com dois dias
"Foi há sete anos que recebemos a feliz notícia de que finalmente havia mais um menino no mundo, no nosso mundo. Um menino muito desejado pelos pais e muito esperado por nós, migos.Conhecemo-lo com horas de vida e foi paixão à primeira vista. Uma cara linda, um jeitinho calmo e doce… Andou de colo em colo, tranquilo, num dia de Inverno aquecendo os nossos corações.
Os filhos da Sara com o Gonçalo
Um mês e pouco depois, veio visitar-nos vestido de tigre.
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Nem ele nem nós falhámos alguma data especial (aniversários, épocas festivas, férias). Também não falhámos outros tantos dias vulgares, daqueles em que nada há a celebrar a não ser a amizade verdadeira que nos une e a vontade de estarmos juntos.
E o Gonçalo foi crescendo… sendo cada vez mais o nosso “Lalo”, “Lalinho”, uma criança feliz, risonha, muito meiguinha apesar de ter personalidade! Foi crescendo e tornando-se realmente, e cada vez mais, um elemento da família, não de sangue mas de coração, que muitas vezes é a mais importante e aconchegante.
Tudo parecia correr normalmente, sem imprevistos. Até ao dia em que a mãe demonstra os primeiros sinais de preocupação por o tempo ir passando e o seu vocabulário não aumentar. Na verdade, pensava-se que podia ter problemas auditivos. E até esses não quisemos ver…. Queríamos ser otimistas e continuar na nossa comodidade…. Acreditávamos que apenas seria mais uma criança que tinha um ritmo diferente…
Depois, chegou o dia em que as suspeitas dos problemas auditivos se confirmaram. E logo tal conhecimento nos trouxe a esperança de que não houvessem mais novidades complicadas.
E se, por um lado, o Gonçalo teve muita sorte com a família e amigos, o mesmo não se pode dizer com a primeira ama nem com a primeira escolinha. A ama, já com alguma idade, parecia não o estimular o suficiente. Na primeira escolinha, o facto de se começar a notar de que este era um menino especial, diferente, porque estava muitas vezes no seu mundo, porque durante muito tempo nem ouvia o que lhe diziam, fez com que o isolassem, o negligenciassem…
Ouvimos dizer que os autistas se abanam muito, que gritam muito, que não demonstram sentimentos… E se percebíamos que algo não corria como o previsto, também nos custava a acreditar nessa possibilidade. Afinal, o nosso “Lalo” não se abanava muito. O nosso “Lalo” não gritava. Não apresentava aquelas crises que estamos habituados a ver nos filmes. O nosso “Lalo” demonstrava ter sentimentos, não era nada arisco, não se importava com o toque físico, até gostava! Era amoroso, dava beijinhos, abracinhos e sempre ficou no meu colo, nos nossos colos.
Então, e os sinais? Não existiam? Sim, existiam, obviamente. Mas não como muitos de nós imaginamos antes de passarmos por uma situação destas.
O “Lalo”, além de amoroso, sempre teve um poder de concentração fora de série nas coisas que lhe interessavam. Aguentava mais tempo do que a maioria das crianças em frente a uma sessão de desenhos animados da sua preferência. Não interrompia as nossas conversas. E não falava…. Falava, mas na língua dele… E porque tinha tido graves problemas auditivos (sem sintomas de dor), também seria possível que esses atrasos ou diferenças tivessem origem nisso.
Um dia veio o diagnóstico. E bem sei que foi arrasador para a família.
Mas também sei que rapidamente se levantaram e tentaram fazer o melhor que podiam e sabiam. O que não é de todo fácil quando não são ricos, vivem num país sem grandes oportunidades e num mundo em que ainda prevalece a ignorância e a falta de sensibilidade para casos destes."
Sara Vieira