EU TIVE UMA INFÂNCIA GOURMET, ECOLÓGICA E BIOLÓGICA E NÃO SABIA!!!!
A esta altura, já devem estar a pensar, mas que raio de Mamã Gansa que ultimamente só reclama e não sabe escrever de outra coisa. Desculpem lá, mas de vez em quando destilar umas coisinhas faz bem à saúde e melhora-me a Psoríase. E se as pessoas começarem a perceber umas coisitas sobre viver numa sociedade inclusiva, tolerante e respeitadora também ajuda.
Apesar da minha filha ter acesso a coisas que eu nunca tive na infância, ela tem inveja da minha infância. E apesar dela se dizer feliz, e dizer que teve uma infância feliz, eu concordo com ela.
Eu era Maria Rapaz e aventureira, gostava de trepar as árvores e comer fruta diretamente das árvores. As amoras que eu comia eram silvestres e de graça, não embaladas e com um preço de meter medo. As couves, as cenouras, os tomates e as alfaces vinham da horta do quintal dos meus pais. As laranjas, os limões, os pêssegos, os dióspiros e até as folhas de chá, também vinham de lá.
Se era preciso salsa, hortelã ou coentros fresquinhos ia-se à horta colher uns raminhos. Se era preciso ovos ia-se buscar ao galinheiro e até tive uma galinha branquinha de estimação a “Chinha” com a qual eu brincava quando voltava da escola. Nunca soube exatamente o destino da pobre “Chinha”, mas temo que não tenha tido um final feliz. Também tivemos uns patos que eram os animais de estimação do meu irmão, quando desapareceram, disseram-lhe que viajaram para o Alentejo, mas acho que o destino foi outro…
Na escola como já disse era Maria rapaz e aventureira e passei grande parte dos meus tempos livres em busca do túnel lendário que dizem ligar o Castelo de Almourol a terra e até descobrimos alguns túneis. Pois a escola em que estudei na altura e que hoje não existe mais, era muito perto do castelo. Quando não conseguíamos descobrir túneis, trepávamos para um medronheiro com vista para o castelo e comíamos uns medronhos, e não, nunca nos embebedámos com os medronhos que comemos, ou tínhamos caído da árvore e o medronheiro não era assim tão baixinho.
Comíamos o que vinha da terra e às vezes sem lavarmos e raramente tínhamos uma gastroenterite ou uma intoxicação alimentar. Às vezes surripiávamos umas laranjas ou umas nêsperas dos quintais alheios, e para nos sentirmos melhor com a marotice, dizíamos que roubar para comer não era pecado. E na verdade, pecado era ver as laranjas e as nêsperas a estragarem-se porque os vizinhos não as apanhavam.
Os vizinhos também eram excelentes personal trainers quando nos apanhavam, ou quando nos lembrávamos de tocar à campainha e fugir.
Tínhamos uma alimentação natural e variada de produção caseira, agora é biológica e também tínhamos bastante atividade física. Jogávamos à carica, aos berlindes e andávamos de bicicleta e carrinhos de rolamentos. E os nossos pais, achavam que cairmos e fazermos arranhões fazia parte de crescer.
Quando íamos às compras a minha mãe levava os sacos de casa e a maioria dos sacos eram de pano e de lona. Os vegetais e a carne nunca estavam embalados. O feijão, o grão e outras leguminosas ainda se mediam em litros e vendiam-se a granel.
O padeiro ia levar o pão à porta e não nos cobrava por isso. Deixávamos o saco de pano à porta com a indicação do pão que queríamos e o dinheiro, para o caso de não o ouvirmos apitar, o que era raro, mas acontecia e nessas ocasiões deixava-nos o pão e o troco. Pagávamos ao leiteiro no final do mês e ele também nos deixava duas garrafas de leite do dia, todas as manhãs ao pé da porta, dava um toque de campainha para avisar e também não nos era cobrado o serviço ao domicílio. Tratávamos o padeiro e o leiteiro pelo nome e a prestação destes serviços fazia parte do seu trabalho quotidiano.
Agora todas estas tradições estão a voltar, mas pagamos muito por elas. A comida que não vem das estufas, nem da criação industrial chama-se biológica. A entrega do pão e do leite à porta agora cobra-se e são serviços gourmet e o uso dos sacos de pano é ecológico e amigo do ambiente e por isso também se cobra mais do que era comum.
E eu confesso que apesar de tudo gosto que estas tradições voltem, só é pena que agora quem distribui o pão já não seja o padeiro e quem distribui o leite já não seja o leiteiro. E que tudo seja muito mais impessoal e que se cobre muito mais por isso.
Foi assim que descobri que tive uma infância gourmet, ecológica e biológica e não sabia. E embora a infância dos meus filhos seja bem diferente, espero que este regresso às origens contribua para um futuro melhor e que também tenham memórias de infância felizes. Sei que um dia o Gonçalo me dirá. Tenho fé nisso.